Relações Internacionais
Relações Internacionais
1) Opinião Pública
A opinião pública consegue tornar-se num ator das relações
internacionais quando existe consenso acerca de um assunto ou tema na sociedade
de diversos países. Quando existe esse tal consenso, facilmente essa convergência
de opiniões influencia diretamente a atuação de outros atores das RI. Por
exemplo, podem influenciar, a orientação de votos numa eleição (as
manifestações a relembrar o holocausto, fez com que os partidos de extrema
direita perdessem prestigio na década de 1990), a mobilização para o apoio a um
país ou território (como foi o caso da independência de Timor Leste), ou a
capacidade de pressão sobre determinados assuntos, como é o caso do
desarmamento ou a poluição.
2) As Multinacionais
As multinacionais podem ser organizações privadas, públicas
ou comparticipação estatal. Independentemente da sua composição tem sempre fins
lucrativos e têm um único centro de decisão (na sede de todas as empresas do
grupo) a decisão de internacionalizar as atividades acontece para tentar
diminuir os custos de produção, diversificar as atividades económicas da
empresa, maximizar os lucros ou ainda repartir os riscos da atividade por
diversas regiões do mundo. Estas organizações são atores das RI, dado que
conseguem ter influência:
1. Ao nível
económico pelo desenvolvimento da sua atividade em diversos países;
2. Ao nível
social porque contribuem para a melhoria das condições de vida dos seus
trabalhadores e famílias bem como contribuem para a formação profissional dos
mesmos;
3. Ao nível
político, pois, conseguem exercer uma capacidade de pressão sobre os dirigentes
políticos dos países onde se instalam podendo mesmo contribuir para o aumento
da corrupção.
3) Santa Sé
A santa Sé, sede da igreja católica é algumas vezes confundida
com um Estado (porque está sediada no Vaticano) ou com uma organização
internacional dado o seu carater internacional e de longevidade. Todavia apesar
de ter um território não pode ser considerada um Estado porque esse território
foi cedido pela república italiana; não tem população com essa nacionalidade,
existindo apenas um vínculo à cidade do vaticano para alguns indivíduos para o
desempenho de determinadas funções (como é o caso do Papa ou dos guardas suíços);
e também não tem poder público eleito, embora exista algo semelhante a um
governo que é a cúria romana
4) Organizações Não-Governamentais
As ONG são todos os agrupamentos constituídos por entidades
não públicas com vista à prossecução de objetivos não lucrativos e que
desenvolvem a sua atividade com o caráter internacional. Nestas organizações
não há representatividade dos Estados, estando cada uma delas vinculada
juridicamente ao Estado onde se encontra a sua sede. As ONG procuram pressionar
os decisores políticos e os outros atores RI a favor das questões que defendem,
como é o caso da AMI (assistência médica internacional, sediada em Portugal)
(com fins humanitários e médicos), a Green Peace (com fins de proteção do
ambiente) ou Quercus. Apesar dessas organizações dessas organizações serem de cariz
privado conseguem influenciar as RI devido à sua atuação em conflitos,
catástrofes naturais, etc.
5) As Minorias
As minorias são consideradas grupos sociais que se encontram
geograficamente num Estado onde a maioria da população é de raça, língua ou
religião diferente, como é por exemplo o caso do povo Curdo, no Iraque ou o que
esteve na origem do conflito no Kosovo. Para podermos falar em minoria temos de
conseguir de verificar os seguintes elementos:
·
Elementos comunitários (caraterísticas que distinguem
esse grupo do resto da população;
·
Elemento quantitativo (o grupo tem que ter uma
dimensão significativa);
·
Elemento psicológico (todos os elementos do grupo têm
que ter noção que pertencem a uma minoria);
·
E finalmente serem alvo de opressão e discriminação
por parte do Estado onde residem.
6) Movimentos de liberdade nacional
Para
podermos falar de MLN, qualquer grupo terá de ser reconhecido como tal pela ONU
ou pela comunidade internacional. Enquanto não forem reconhecidos esses grupos
militarizados são considerados grupos terroristas ou de guerrilha. Os MLN
representam a luta de um povo para se libertar de dominação estrangeira no seu
território e passarem a ser um Estado independente, como por exemplo a FRETILIN
em Timor e o ANC na África do Sul.
7) Os indivíduos
Podem ser
atores das RI nas seguintes situações:
·
Quando representam outro atore das RI (embaixador,
consolado, etc);
·
Quando pertencem a uma minoria;
·
Ou quando conseguem influenciar as RI pela função que
desempenham (Donald Trump) ou pela sua capacidade carismática de se tornarem em
líderes de opinião ou ainda quando participam em movimentos internacionais como
é o caso dos refugiados ou migrantes.
·
Existe ainda outra situação daqueles indivíduos que ao
perderem a sua nacionalidade adquirem o estatuto de cidadão do mundo sem pátria
(ex. Salmon Rushdie).
Sociedade contemporânea de SI
O Sistema Internacional (SI) é caracterizado pelo conjunto de
unidades políticas (Estados) que mantém entre si relações regulares e que são
suscetíveis de ser implicadas numa guerra geral. Este SI não dispõe de um
centro político, capaz de gerar respostas (outputs)
que respondam aos inputs dos vários
Estados (insatisfação ou conflito de interesses). Face a esse “vazio”, alguns
Estados tentam preenchê-lo, procurando afirmar o seu poder face aos restantes.
Assim,
podemos categorizar os possíveis tipos de SI nos seguintes modelos:
1.
Sistema de
balança de poderes (equilíbrio de forças) – este foi o modelo que
existiu essencialmente até à I Guerra Mundial. O sistema internacional era
caracterizado pela existência de um conjunto de países que detinham um poder
militar que se equilibrava. Ou seja, as forças de um país eram equilibradas pela
força de outra potência ou outras potências. O sistema internacional era
baseado nas relações entre os Estados que detinham o poder legítimo.
2.
Sistema
bipolar rígido - todos os Estados estão alinhados - este tipo de SI
nunca existiu. Mas tentou-se fazer após a II Guerra Mundial. Neste sistema
existem 2 países que se consideram superpotências e conseguem controlar todo o
SI a todos os níveis, bem como todos os outros atores do SI. Dessa forma os
restantes países do mundo estavam alinhados, ou seja, apoiavam uma das
superpotências e orientavam a sua postura e decisões políticas pelo bloco onde
estivessem inseridas.
3.
Sistema
bipolar flexível - há Estados não alinhados – este sistema existiu –
no período da Guerra Fria. As características são semelhantes às do modelo
anterior. A diferença reside no facto de nem todos os países apoiarem
directamente uma das superpotências nem estarem alinhados num dos blocos
mundiais. Foi o que aconteceu durante a Guerra Fria onde a partir da década de
1960 surge o Movimento dos Não Alinhados, na Conferência de Bandung – países
que não queriam estar sob a influência nem dos EUA nem da URSS.
4.
Sistema
hierárquico (literatura federalista ou integração) – este modelo
também nunca existiu em termos de sistema internacional. Este modelo implicava
que existisse um organismo que fosse capaz de conduzir à integração de todos os
países, ou de pelo menos os países duma região / continente. Dessa forma esses
países funcionariam como estados federados e seriam governados por um poder
federal. O processo de integração europeia é o modelo mais próximo deste
sistema, embora não seja pelo menos até agora um sistema verdadeiramente
federal.
5.
Sistema
universal – este modelo é semelhante ao anterior e implicava a
existência duma organização internacional que se tornasse gradualmente numa
espécie de governo mundial. Este modelo foi tentado implementar com a ONU, mas
infelizmente a organização nunca se conseguiu libertar da influência de alguns
dos seus Estados-membros, nem a conseguir ter um papel preponderante para a
resolução dos problemas mundiais.
6.
Sistema de
veto nacional (dissuasão nuclear) – este modelo implica que os
países no SI não entrassem em conflito directo, pois tendo capacidade militar,
se entrassem em guerra, poderiam conduzir à aniquilação da raça humana, com a
escalada do conflito e da sua intensidade. Como já existem diversos países com
essa capacidade militar, este elemento torna-se numa dissuasão para que os
conflitos evoluam para guerras.
O SI
contemporâneo caracteriza-se como sendo multipolar, apesar dos EUA serem
considerados a única superpotência, já que estes partilham o poder
essencialmente com a Rússia, a China, a UE e o Japão. Este modelo pentagonal
justifica-se pelo facto do poder militar (hard
power) ter de ser conjugado com os chamados soft power (economia, tecnologia, política e diplomacia), que
também ditam muitas das evoluções e dinâmicas internacionais.
A
reorganização geopolítica do mundo após 1989, apesar de afastar em teoria o
perigo de um novo conflito mundial, favoreceu o estabelecimento de conflitos
regionais e locais e o surgimento de novas dinâmicas espaciais, nomeadamente:
̵
A
reorganização geopolítica e económica da Europa de Leste levou ao ressurgimento
de movimentos nacionalistas no Báltico e no Cáucaso;
̵
O
fim da URSS e da influência soviética na Europa de Leste conduz à desintegração
da ex Jugoslávia e a inúmeros conflitos nos Balcãs (Kosovo, Bósnia Herzegovina,
Sérvia, etc.)
̵
Aumentaram
os conflitos dentro dos Estados e a uma maior dificuldade dos poderes soberanos
os conseguirem controlar;
̵
Continuam
a existir diversos exemplos de violação do direito à autodeterminação dos povos
(ex.: Curdos, Palestinianos, etc.)
̵
Surgem
novos Estados e novas fronteiras – a URSS dá origem inicialmente a 15 novos
Estados, a Alemanha reunifica-se, a Jugoslávia fragmenta-se, a Checoslováquia
dá origem a 2 Estados independentes (República Checa e Eslováquia), muitos
conflitos fronteiriços voltam a surgir (Sérvia, Ucrânia vs Rússia, Tibete,
etc.), etc.
̵
A
ideia de integração e cooperação económica entre Estados aprofunda-se nos
últimos 30 anos, com a perda de significado das fronteiras físicas, sendo o
caso da UE o mais paradigmático;
̵
A
produção passa a organizar-se a uma escala supranacional, com a desarticulação
entre o ciclo produtivo das mercadorias e os respetivos espaços
correspondentes.
FATORES QUE INFLUENCIAM O PODER DE CADA ESTADO NO SI
Embora de acordo com os art. 2º da CNU todos os Estados sejam
iguais, sabemos que, na realidade, existem muitos vetores que influenciam a
capacidade concreta de cada Estado de agir e de influenciar e/ou ser
influenciado nas relações internacionais. Assim, podemos identificar 9 fatores
principais:
1. Fator geográfico – a ocupação de território sempre foi uma das principais causas na
maioria dos conflitos entre os Estados. Os únicos territórios onde não existe
uma apropriação/afetação a um Estado são: o alto mar, os fundos marinhos, a
Antártida e determinados que, por alguma razão, se encontrem sob estatuto
internacional (como era o caso do Kosovo, durante o período de guerra civil).
Além da dimensão geográfica, outros elementos também se tornam importantes para
avaliar a capacidade de ca da Estado ao nível da política externa, tais como, o
clima, o relevo, a qualidade e riqueza do solo, a posição geoestratégica
(acesso direto ao mar, insularidade, controlo de vias de comunicação, etc.), os
quais poderão ser primordiais para aumentar ou diminuir as opções que cada Estado
tem. Com a evolução das tecnologias militares e audiovisuais, o território
perdeu a capacidade de ser um verdadeiro santuário, desde que as fronteiras
estivessem salvaguardadas, dado que os submarinos, os satélites e os mísseis
nucleares, entre outras tecnologias, favoreceram a permeabilidade a
vulnerabilidade dessas mesmas fronteiras. Podemos, por isso, dizer que o
território pode estimular sentimentos variados nos Estados, desde apropriação,
segurança ou comunidade, até sentimentos de vulnerabilidade, cerco e mesmo
isolamento internacional;
2. Fator demográfico – este fator influencia cada Estado aos mais diversos níveis (militar,
económico, ecológico, social e científico), quer pelas suas repercussões
quantitativas, quer qualitativas; ou seja, ao nível quantitativo o crescimento
da população mundial conduziu a fenómenos migratórios em direção aos polos
economicamente mais ricos e politicamente mais estáveis, levando ao aumento da
pressão populacional nas metrópoles urbanas e nos países desenvolvidos. Ao
nível qualitativo, é muito importante percebermos a estrutura populacional de
cada país, quer em termos de pirâmide populacional (pirâmide envelhecida ou
não, diferença entre géneros, etc.), quer em termos de homogeneidade étnica,
religiosa, social ou mesmo política. De facto, nos países onde existem tensões
entre grupos étnicos, religiosos, etc., será sempre mais difícil governar com
estabilidade e projetar o país ao nível da política externa;
3. Fator económico
– os interesses económicos podem também ser um fator primordial nos conflitos
internacionais, dada a importância dada ao controlo de matérias primas,
mercados, bens alimentares, etc. A interdependência económica atual,
exponenciada pela globalização, entre os Estados, faz das armas alimentar e
monetária e dos embargos económicos fortes condicionantes da política externa e
do poder de cada Estado face aos seus pares;
4. Fator militar – este fator, embora não tenham um caráter de utilização sistemática e
incontornável, continua a ser uma dos fatores mais importantes nas relações
internacionais, dada a diversificação de armas, arsenais e poder militar
efetivo de cada Estado e a sua real importância para garantir a defesa e
segurança do território e da população. Este fator pode ser também utilizado
como instrumento de desestabilização das relações internacionais, sempre que
surjam atos de agressão, de anexação indevida por parte de um Estado face a
outros. Face ao excessivo crescimento dos armamentos, a opinião pública
internacional tem pressionado para um real esforço no sentido de redução
coletiva dos armamentos;
5. Fator científico e tecnológico – quanto maior for a capacidade de desenvolvimento de ciência
pura e aplicada num país, maior será a probabilidade de progresso do mesmo. O
progresso técnico contribuiu para o aceleramento das comunicações mundiais,
tendo impactos positivos (facilidade de comunicação e transações) e negativos
(rápido crescimento de redes de tráfico ou movimentos fundamentalistas), bem como
para o próprio aprofundamento e melhoria dos arsenais militares. Este fator tem
ainda impacto ao nível ambiental (poluição) e no próprio desnivelamento de
desenvolvimento entre países;
6. Fator governamental – este fator explicita a capacidade de influência dos governos
na definição da política externa e de conseguir transformar as capacidades do
seu país em instrumentos reais que reforcem o seu protagonismo internacional ou
mesmo conduzam a processos de cooperação internacional ou regional;
7. Fator ideológico, cultural e espiritual – sendo a cultura um conjunto de
valores, representações, crenças, regras de conduta e normas de uma sociedade,
este elemento pode ajudar na afirmação da sua identidade enquanto unidade única
e individualizada das demais. A ideologia, caracterizando-se como um sistema de
explicação da evolução do mundo, pode contribuir para legitimar uma sociedade
com base nesse sistema de valores de referência ou, contrariamente poderá
servir para criticar e derrubar uma mesma sociedade;
8. Fator mediático – o peso dos meios de comunicação no SI tem aumentado nas últimas décadas,
influenciando as opiniões públicas nacionais e internacionais. Este aumento de
influência pode tornar-se num elemento de erosão da soberania dos Estados, dado
que a mediatização dada a um facto pode determinar o impacto que o mesmo
assume. Podemos assistir a 3 fenómenos causados pelos media:
a. Subinformação – usada nos países em desenvolvimento – onde a veiculação da informação é
reduzida;
b. Sobreinformação
– nos países desenvolvidos – onde o excesso de informação pode causa a apatia e
o desinteresse da maioria da população;
c. Desinformação – feita com intuito de manipulação da informação para fins políticos,
ideológicos ou mesmo económicos.
O fator mediático é, efetivamente, importante, pois pode
contribuir para o aceleramento da desestabilização interna, para aumentar a
capacidade de ação de grupos de pressão, para permeabilizar fronteiras,
internacionalizar conflitos internos, mas também para reforçar a solidariedade
internacional, isolar regimes políticos ditatoriais, pressionar para a
democratização ou respeitos dos direitos humanos;
9.
Fator liderança – este fator deriva do carisma de um
líder. Cabe aos governantes a iniciativa de decisão, embora em nome do Estado,
pelo que a personalidade de um governante pode reforçar ou prejudicar a
capacidade de projeção do Estado no SI.
DESAFIOS MUNDIAIS DO SISTEMA INTERNACIONAL
Se o mundo se globalizou e tornou
interdependente, também os problemas deixaram de ser meramente locais ou
regionais e ganharam um cariz global, ou seja, qualquer assunto militar,
económico, social ou mesmo cultural consegue afetar o país onde acontece e toda
a sociedade global, direta ou indiretamente, como é o caso do problema da
desflorestação da Amazónia ou a poluição na China. De todos os desafios
existentes realçamos os seguintes:
1. Pobreza
extrema – este desafio não é um fenómeno
restrito ao continente africano, já que se tem expandido à maioria das
sociedades, sejam elas de países desenvolvidos ou em vias de desenvolvimento.
De facto, em qualquer metrópole urbana podemos identificar uma franja da
população que vive em condições sub-humanas (mas que continua a preferir
manter-se nesses centros do que permanecer em centros rurais);
2. Falta de
condições de vida – a pressão
demográfica e o êxodo rural ou mesmo os movimentos migratórios em direção aos
países mais ricos do mundo, que verificamos nos grandes centros urbanos, conduz
à existência de situações de quase inabitabilidade, situação essa que cria guetos sociais e à incapacidade uma real
homogeneização cultural e social das comunidades;
3. Movimentos
migratórios – continuamos a
verificar a existência de fluxos migratórios em direção aos grandes polos
industrializados e desenvolvidos. Esta pressão migratória causa graves
problemas de sustentabilidade e estabilidade económica e social nesses centros
urbanos de destino (UE, EUA, Japão, China, Índia, etc.). Se os indivíduos que
fazem parte desses fluxos sonham alcançar um nível de vida estável e profícuo,
na maioria das vezes deparam-se com situações de desemprego, insegurança e
exclusão social, provocando, por sua vez, a deterioração das condições de vida
de toda a sociedade onde procuram inserir-se. Além disso, a pressão desmesurada
destes fluxos migratórios tem ainda provocado nos países de acolhimento
tentativas de fecho e controlo da entrada de novas vagas populacionais de forma
a salvaguardarem as condições existentes.
4. Narcotráfico,
tráfico de armamento e de seres humanos
– apesar da luta minimamente concertada em relação a estes problemas, muito há
ainda a fazer para efetivar a capacidade de controlo e de extinção dos mesmos.
Ou seja, apesar dos discursos dos líderes internacionais de luta contra o
tráfico, sabemos que secretamente são os próprios Estados que alimentam grupos
terroristas ou conflitos bilaterais, devido a dividendos financeiros que daí
possam retirar (como é exemplo o caso da França na questão síria, entre tantos
outros). Além disso, a redes de tráfico conseguem ter ramificações globais que
ultrapassam a capacidade dos Estados, mesmo que aliados internacionalmente
contra essas situações, tornando extremamente difícil o seu controlo e possível
desmantelamento.
5. Terrorismo – este fenómeno é aquele que efeitos mais
nefastos tem sobre todo o SI. De facto, a sua capacidade de semear a
insegurança e a violência contra alvos indiferenciados, demonstra não só a
incapacidade dos atores reconhecidos das RI os conseguirem controlar e
eliminar, mas também a necessidade de repensar a forma de funcionamento do SI e
quais os tipos de cooperação que terão de vingar no futuro, através de ações
conjuntas, concertadas e eficazes para conter este problema. A maior
dificuldade para controlar estes grupos deriva do facto dos mesmos atingirem
alvos não militares, de forma a evidenciarem a sua capacidade de agirem onde e
quando quiserem, bem como a incapacidade das autoridades públicas e militares
garantirem a segurança das suas populações.
6. Riqueza em
recursos naturais – o controlo de
matérias-primas estratégicas ou de recursos naturais têm sido um dos principais
móbeis para os conflitos internacionais (fronteiriços, como no caso da invasão
do Kuwait pelo Iraque, ou globais, como a guerra do Golfo que sucedeu a essa
invasão, com a intervenção de diversas potências internacionais). Todavia,
recordemos que a maioria dos recursos naturais não é inesgotável e, além de se
procurarem alternativas aos mesmos para a sustentabilidade futura, também os
países que vivem à custa desses recursos poderão perder a médio e longo prazo o
seu protagonismo no SI (como é o caso da OPEP – Organização dos países
exportadores de petróleo).
7. Falta de
alimentos – a substituição de campos dedicados
à agricultura (para fins de alimentação da população) para a instalação de
indústrias ou outras atividades económicas, além da produção de produtos
agrícolas que se destinam a outros fins diferentes da alimentação (exemplo –
produção de biodiesel) tem demonstrado a incapacidade de resolver a questão de
garantir a alimentação de toda a população mundial, o que poderá conduzir a
convulsões internacionais;
8. Falta de
água – a ausência de água potável em
diversas regiões do mundo ou o preço da transformação da água existente em
adequada para consumo humano será um dos maiores desafios futuros, dado que
além do impacto da poluição, o controlo deste recurso será vital para a
redefinição geoestratégica e geopolítica do mapa do SI futuro.
OS PROCESSOS DE INTEGRAÇÃO REGIONAL COMO RESPOSTA
AOS DESAFIOS GLOBAIS
Como já verificámos, o SI
contemporâneo encontra-se numa encruzilhada onde terão de ser tomadas decisões
(essencialmente pelos líderes políticos) que redefinam a sua ordem e forma de
funcionamento. A globalização e as diversas anomias que existem comprovaram que
a maioria dos Estados não têm capacidade suficiente, nem interesse muitas
vezes, para desenvolver uma política externa mundial ou para responder
autonomamente e de forma eficaz aos problemas e desafios.
Face a essa incapacidade de
desenvolver um posicionamento de cariz mundial, a grande maioria dos Estados
procura acomodar-se ao nível regional, participando dentro do possível na
criação e manutenção de mecanismos de cooperação que permitam fortalecer o
ambiente regional e doméstico, aos níveis económico, político e até monetário
e, por sua vez, consigam projetar essa região no mundo enquanto um bloco mais
forte e proeminente. Todos os fenómenos de cooperação que possamos analisar nos
diferentes continentes têm, assim, sempre como móbil a potenciação das
probabilidades desses Estados vingarem num SI altamente competitivo e instável.
De facto, verificam-se atualmente
processos de integração nos mais diversos níveis, onde os Estados se associam
para criar organismos de cariz internacional que promovam o estabelecimento de
parcerias, com o intuito de desenvolver mercados regionais, fomentar o
desenvolvimento económico sustentável e reforçar a capacidade de protagonismo
regional face ao resto do SI. Podemos dar como exemplos a MERCOSUL – organismo
de cooperação económica e comercial dos Estados americanos (Argentina, Brasil,
Paraguai, Uruguai e Venezuela – que apenas conseguiu ser até hoje uma zona de
comércio livre), ou a ASEAN (Association of SOutheast Asian Nations –
Tailândia, Filipinas, Malásia, Singapura, Indonésia, Brunei, Vietname, Myanmar,
Laos e Cambodja – que pretende consolidar também pelo menos uma zona de
comércio livre).
Além destes exemplos clássicos de
cooperação regional (com fins essencialmente e exclusivamente económicos e
comerciais), necessitamos de perceber o fenómeno de integração que surgiu em
1957 – a União Europeia, o qual é uma caso único e paradigmático, não só pela sua
longevidade, mas também pela amplitude e áreas de intervenção que foi
adquirindo até à atualidade. De facto, a União Europeia caracteriza-se por duas
situações que apenas se verificaram neste processo, nomeadamente: a sua
capacidade de alargamento contínuo a outros Estados, passando dos 6 iniciais
(BENELUX, França, Alemanha e Itália) aos atuais 28 Estados Membro; e o
aprofundamento das competências das instituições europeias em inúmeras áreas
que afetam diariamente o quotidiano dos mais de 500 milhões de cidadão da UE.
Tal como todos os outros processos de
cooperação regional, a UE também começou por ser apenas uma zona de comércio
livre entre os 6 países fundadores da CEE, os quais procuravam derrubar
barreiras aduaneiras/alfandegárias e, dessa forma, promover as trocas
comerciais dentre desse espaço. Ao longo das quase 5 décadas da sua existência,
a UE e as suas instituições europeias engloba inúmeras áreas comuns, desde o
comércio até a questões políticas e monetárias (muitas delas da competência
exclusiva das Instituições europeias, conduzindo à existência das denominadas
políticas comuns) e mesmo à adoção na maioria dos Estados membros duma moeda
comum/única. Esta transferência efetiva de parcelas de soberania de cada Estado
Membro para as instituições europeias evidencia a submissão da maioria das
políticas nacionais às diretivas comunitárias e à necessidade de uma permanente
capacidade negocial de cada Estado Membro para defender os seus interesses.
Assim, os processos de integração regionais
poderão ser analisados sob 2 perspetivas:
̵
Ora enquanto
arautos da cooperação e solidariedade internacional e inter-regional, onde se
promove o desenvolvimento de relações pacíficas entre Estados vizinhos;
̵
Ora enquanto
organismos que influenciam a vida nacional de cada Estado membro e que obrigam
à adoção de medidas e políticas comuns, as quais nem sempre têm como base o
interesse nacional de cada Estado, podendo mesmo contrariá-lo em nome de
interesses conjuntos, ou pior ainda, quando são o resultado do interesse dos
Estados membros com maior proeminência no seio dessa comunidade (potências
regionais).
Mas, apesar da longevidade e
aprofundamento da capacidade de ação da União Europeia, esta entidade, para conseguir
ultrapassar todas as ameaças e obstáculos do SI contemporâneo, terá de
conseguir responder de forma eficiente às questões relacionadas com a crise
económico-financeira mundial, controlando os défices das economias dos seus
Estados membros e responder simultaneamente às convulsões que acontecem em
muitos Estados limítrofes (na Europa, na África e no Médio Oriente) e que podem
colocar em causa a sua estabilidade e mesmo a sua continuidade. Além disso,
terá ainda de redefinir estratégias de ação ao nível interno, desenvolvendo
metodologias que conduzam a uma maior representatividade das suas instituições,
à crescente proximidade das instituições para com os cidadãos, bem como à
clarificação da Política Europeia de Vizinhança, da Política de Segurança e Defesa
e da Política Monetária, ou seja, perceber qual o limite até onde os Estados
Membros estarão dispostos a ceder novas parcelas da sua soberania em prol da
unidade e consolidação da UE.
A UNIÃO EUROPEIA
Tal como
todos os outros processos de cooperação regional, a UE também começou por ser
apenas uma zona de comércio livre entre os 6 países fundadores da CEE, os quais
procuravam derrubar barreiras aduaneiras/alfandegárias e, dessa forma, promover
as trocas comerciais dentre desse espaço.
Este processo inicia-se em 1948, no
Congresso da Europa, realizado em Haia, com a criação da Assembleia
Constituinte Europeia, a qual permitisse o início do processo de cooperação
entre os antigos Estados inimigos. Em 9 de maio de 1950, Robert Schuman
(ministro dos negócios estrangeiros da França), faz um discurso onde defende a
criação da Alta Autoridade como entidade que tutelasse a produção e
comercialização do carvão e aço, apelando a que a Alemanha aderisse a essa
entidade. A Declaração Schuman marca o início do processo de integração europeu
(9 de maio é o dia comemorativo da UE), com a assinatura em abril de 1951 do
Tratado que institui a CECA (Comunidade Europeia do Carvão e do Aço). Neste
tratado estavam já presentes os 6 países que assinariam o Tratado de Roma (França,
Alemanha, Bélgica, Holanda, Luxemburgo e Itália), instituindo-se desde logo um
triângulo institucional:
·
A Alta Autoridade
(futura Comissão Europeia)
·
O Conselho de
Ministros
·
A Assembleia
ordinária (futuro Parlamento Europeu)
Esta estrutura institucional
manter-se-á até à entrada em vigor do Tratado de Lisboa (com este tratado
passamos a ter 4 instituições principais, dado que o Conselho Europeu passou a
ser reconhecido como tal, embora as reuniões entre os líderes dos Estados
comunitários já se realizassem desde a década de 1950).
Em maio de
1952 surge a proposta de criação da Comunidade Europeia de Defesa, a qual não
teve o mesmo sucesso que as restantes negociações (de facto, ainda hoje a área
da segurança e defesa é dos assuntos mais sensíveis da UE) e os 6 Estados
membros aprovam a criação de um mercado único e da Euratom (cooperação e
coordenação de programas +ara a utilização pacífica da energia nuclear). Todo
este processo conduz à assinatura do Tratado de Roma, em março de 1957, que
institui a Comunidade Económica Europeia e a Euratom, com os 6 países
fundadores e com a definição de algumas políticas comuns (agrícola,
concorrência e de transportes). O Tratado de Roma previa a integração
progressiva dos Estados membros, baseada na livre circulação de pessoas,
mercadorias, capitais e serviços.
Em 1986, é
assinado o Ato Único Europeu que introduz 3 inovações no Tratado de Roma: as
decisões em relação ao Mercado Interno passariam a ser tomadas por maioria
qualificada; a coesão económica passa a ser uma competência comunitária
(investigação e desenvolvimento tecnológico + ambiente); e são lançadas as
premissas da Política Externa Europeia.
O Tratado de Maastricht, assinado em
1992, é um dos mais importantes no processo de integração, dado que estabelece:
·
A Comunidade
Europeia era composta pela CEE, CECA e EURATOM;
·
O reforço da PESC
– Política Externa e Segurança Comuns (PESC) (ainda hoje não está devidamente
implementada);
·
O terceiro pilar
da CE seria a Justiça e Assuntos internos;
·
As premissas para
a criação da União Monetária;
·
A definição do
conceito de cidadania europeia;
·
As políticas
comuns seriam alargadas a mais 6 domínios: redes transeuropeias, política
industrial, defesa do consumidor, educação e juventude e cultura.
Entre 1993 e
2007 surgem um conjunto de adendas e Tratados que tentaram reforçar todas as
políticas definidas em Maastricht e adaptar a União aos sucessivos
alargamentos:
1. Em 1997, pelo Tratado de Amesterdão,
reforça-se a cidadania europeia, reformula-se a PESC, alarga-se o procedimento
de codecisão a novas matérias (saúde, emprego, etc.) e aprova-se uma maior
utilização do voto por maioria qualificada;
2. O Tratado de Nice, em 2001, procurou adaptar o
funcionamento da União face aos futuros alargamentos, alarga o processo de
decisão por maioria qualificada a mais domínios e, prevendo a UE a 27 recalcula
a repartição dos lugares no PE.
3. O ano de 2004 fica na história do processo de
integração europeu como o fracasso da constitucionalização da União. Apesar do
reforço da ação das instituições europeias em áreas como a imigração e política
de asilo, alguns Estados Membros não ratificam o Tratado Constitucional,
defendendo o direito de veto em matéria de defesa e política externa. Neste
momento, muitos políticos e cidadãos reclamavam o distanciamento entre as
instituições europeias e os cidadãos, defendendo a necessidade de alterar tal
situação.
Perante o fracasso do tratado
constitucional, em 2007 inicia-se a implementação do Tratado de Lisboa, o qual
só entrará em vigor em 2009, após a ratificação por parte de todos os Estados.
Este tratado encontra-se atualmente ainda em vigor e procurou implementar uma
Europa mais democrática e transparente (definindo formas de divulgação da ação
das instituições europeias e de aproximação dos cidadãos a essa mesma atuação,
como por exemplo a iniciativa de cidadania europeia); uma Europa mais
eficiente, procurando rentabilizar recursos; uma Europa baseada em valores,
liberdade e solidariedade através do reforço das políticas sociais e da Carta
dos Direitos Fundamentais (a qual passa a ser vinculativa); uma Europa mais
segura com o reforço de políticas ativas de segurança, política externa de
vizinhança e política de asilo; e ainda uma União com uma verdadeira Política
externa, que reforce o seu posicionamento nas Relações Internacionais (surge
pela primeira vez o cargo de Alto representante da União para os negócios
estrangeiros e a política de segurança).
Com o Tratado de Lisboa são
implementadas as seguintes alterações:
1.
A União passa a
ter 4 instituições centrais: Conselho Europeu, Conselho da União Europeia (ou
Conselho de Ministros), Parlamento Europeu e Comissão Europeia;
2.
Surgem os cargos
de presidente do Conselho Europeu e de Alto representante da União para os
negócios estrangeiros e a política de segurança;
3.
A Comissão
Europeia passa a ser composta por 28 comissários (um por cada Estado membro;
4.
A maioria das
votações no Conselho Europeu passa a ser baseada no critério de dupla maioria;
5.
São reforçados os
poderes do Parlamento Europeu (única instituição eleita diretamente pelos
cidadãos europeus), da Comissão Europeia e do Tribunal de Justiça;
6.
A Carta dos
Direitos Fundamentais passa a ser vinculativa e a ter força de lei;
7.
É eliminada a
possibilidade de veto em muitas áreas.
Desde 2009 o
processo de integração europeu tem procurado implementar todas estas ideias,
embora a conjuntura interna e o enquadramento regional e mundial não sejam
favoráveis. Perante as crises financeira e económica, os conflitos bélicos
junto às suas fronteiras e os demais desafios globais, urge repensar a União
Europeia, definindo políticas mais eficientes, diminuindo o processo de tomada
de decisão nas instituições europeias, promovendo os canais de cidadania ativa
e participativa, fortalecendo o espaço comunitário face a diversos embates
(como o Brexit ou pressão dos refugiados) e reinventando a forma da própria
União se demonstrar como um verdadeiro caso de sucesso que continue a fazer
sentido, para o futuro.
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